quarta-feira, 10 de junho de 2009

As Cidades

Olhos D'água:

Boi. Foi essa a palavra. É que tinha muito boi em Olhos D'água, acabaram chamando mais atenção que os cansativos papai e mamãe. E "boi" foi a primeira palavra que eu falei.
Acordava cedinho e montava aquela égua branca que eu detestava e caía no sono. Fazia um friozinho com uma neblina que eu detestava. Quando o sol batia no meu rosto, a égua, com que guiada por piloto-automático, já estava parada em frente à escola Geminiano Ferreira de Queiroz, onde eu nunca aprendi nada.
Em Olhos D'água eu aprendi a falar "boi" e outras coisas. Aprendi a matar passarinho. Aprendi que coruja não se mata. Aprendi a entrar num rio e ir descendo ele até chegar em outro rio. Aprendi a pular dentro de uma erosão de vinte metros de altura e se enterrar na lama. Aprendi a engatinhar, a andar e depois aprendi a andar por muitos quilômetros.
Olhos D'água não existe direito.


Brasília:

Essa cidade pode ser toda sua, basta ir lá e pegar. Ignorando a ordem, as linhas retas e a paisagem insossa, um tipo de vírus faz com que as pessoas entendam tudo ao contrário e projetem os sonhos pra muito longe dali. Mas muito longe dali é qualquer outro lugar.
Essa cidade perdida guia em silêncio um país inteiro!
Aquele ar seco foi o primeiro que respirei. Quando eu lembro do gosto de areia e do ruído desesperador que ela faz nos dentes eu lebro também de Brasília e seus playgrounds decadentes. Foi onde eu provei areia, formigas, onde eu provei as drogas, onde eu provei meus primeiros beijos.
Em Brasília assuntos como arquitetura e política se misturam mais facilmente com qualquer outro.
Era pra lá que eu voltava, mas isso mudou.


São Paulo:

São Paulo é um mobilie que você pode destrinchar e montar como bem entender. Em São Paulo não existe tédio. Em São Paulo as pessoas se vestem bem e ficam felizes fazendo isso.
O jeitinho idiota dos paulistanos falarem engana um pouco a respeito deles, e não engana também.
São Paulo não dá saudade, dá um tipo de abstinência. Como qualquer droga potente, te leva ao limite da diversão com um risco considerável de se meter numa bad-trip.
Não julgue São Paulo, ou você está lá ou não está.
Do jeito que eu sempre quis, São Paulo foi isso pra mim. São Paulo me ensinou, não a ser responsável, mas sobre o quão irresponsável eu sempre fui. De resto, Sampa, que pode esinar de tudo a qualquer um, se anula no excesso e depois de um tempo vira aquele colosso com o qual você já se acostumou. São Paulo foi um tipo de Irmão mais velho.

Berlim:

O passado morreu aqui, muitas vezes, mas é aqui também que o futuro nasceu, é aqui que ele é criado e mimado por todos.
As manhãs têm cheiro de chocolate e amêndoas, as noites cheiram a kebab e curry.

É de Berlim que sinto saudade e onde meus sonhos têm endereço fixo. A cidade ensina que a gentileza vive, muito bem guardada, atrás daqueles olhares gelados. Em Berlim aprendi a apreciar novos tons de cinza, tantos. Em Berlim reaprendi o que é andar de bicicleta.
Eins, zwei, drei, vier, fünf, sechs, sieben, acht, neun, zehn. Aprendi a contar até dez pra suportar o frio.
Berlim me ensinou a ser mais simples e a detestar o descontrole. Me abriu os olhos para a possibilidade de projetar a loucura à perfeição.

Luanda:

O excesso inescrupuloso. Os humanos estão lá, aos montes, começando e acabando com tudo ao mesmo tempo. Rios de dólares, esgoto e lixo se misturam aos curtos e intensos ciclos de vida de quem sobrevive em Luanda. Gratuito aqui só o caos.
Em Luanda aprendi a me desencontrar. Aprendi que tem gente que morre de feitiço. Aprendi que o ar tem cheiro, cor e sabor. Em Luanda aprendi que o buraco é mais embaixo. Depois de Luanda não tem mais problema nenhum.
Não se engane com o lindo nome dessa cidade. Ela vai te devorar e provavelmente te cuspir quando lhe apetecer. O pior é que você vai adorar.


Maputo:

Tenho trabalhado nisso.

10 comentários:

Alfurreca disse...

ta optimo! adorei o que escreves-te sobre luanda.
e muitas mais cidades virao para te trazer mais memorias "se deus quiser".
que essa passagem por maputo te de bastante trabalho sim, mas tambem bastantes bons resultados.
tua brada

Anônimo disse...

Zé, eu gosto de como vc escreve.
Talvez Maputo sejá só um vácuo para você entender melhor outras coisas de outros espaços e outros tempos. Mas uma hora você vai entender o que tudo isso aí significa.
Ju

Mayra disse...

Concordo com a Ju. Alguns lugares são necessários por nós mesmos, não por eles. Mas ainda acho que você cava por aí alguma boa lembrança.
Beijo

Anônimo disse...

textos excelentes.
vc ainda vai preencher esse espaco em branco.
joao

Anônimo disse...

Zé,
Maputo tem eu e gabriel. que mais voce precisa, meu rei?
não perca a esperança, porque logo mais; a fase rabugenta, velha e de tpm 30 dias todo o dia passará.

ps: estamos aguardando a lagosta com chutney de manga

Puto em Maputo disse...

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Anônimo disse...

puxou uma de kopenski né?
abç Risioli

zé maia disse...

ã?

Marcelo Mahô disse...

Muito bem afiado!

Marcelo Mahô disse...
Este comentário foi removido pelo autor.