segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Bom dia, sim

ilustração: Mary Emma Hawthorne


Aí eu acordei... Os pássaros lutavam ferozmente contra seu reflexo, no lado de fora da janela espelhada. Tive a impressão de ter acordado muitas vezes dessa maneira, tive a impressão de não estar em casa. Na cozinha os sons que vinham de fora anunciavam a morte, eu não entendiam o que diziam. Não-falavam, bem alto, não-falavam aos gritos lamurias sem nexo pelo morto deitado na casa do vizinho. Então cambaleei por ruas destruídas, com passo firme, cabeça baixa, suor pingando. "Bom dia, Obrigado, Yá". Gasosa no Salim, escadaria escura, baratas, crianças, gerador a diesel, ar condicionado, cacofonia de no-breaks exaustos apitando a escassez da energia elétrica. Almoço no Veneza, 2500 Kwanzas ou 40 Dólares: frango e arroz. Melhor comer em casa. Esgoto, multilados, buracos, ratos, mal-hálito, pobreza, riqueza, futuro, passado, ditadura, merda, azeite de palma, galinha à cabidela, quiabo, kuduro, saudade. ...Amanhã faz dois meses, e eu ainda não fui dormir.